22 de setembro de 2021

As emoções e improvisos dos primeiros testes de veículos no Brasil




A cobertura permanente do setor automotivo e do automobilismo esportivo no Brasil surgiu no jornal O Estado de S. Paulo, mas ganhou mais força ainda quando Mino Carta dirigiu o revolucionário Jornal da Tarde e, com ele, criou a seção Jornal de Carro.


Tive a sorte de ser convidado por Mino para ser o responsável por um segmento da economia que praticamente nascia no País.

Dinâmico, criativo e perspicaz, algum tempo depois de me confiar as corridas e pilotos, ele me incentivou a também, ampliar o trabalho com noticiário de fábricas com entrevistas de diretores da indústria e, incluir as avaliações de veículos.

Surgiam assim os primeiros testes e medições do desempenho dos diferentes modelos nacionais.

Durante essa nova fase, além de ampliar conhecimento e experiência tive a oportunidade de passar por fortes emoções e de reconhecer a competência, dedicação e facilidade de adaptação dos engenheiros brasileiros.

É que há mais de 50 anos, não existam equipamentos sofisticados e precisos para as medições nos testes dos automóveis e nem locais apropriados.

Recorríamos às estradas e procurávamos horários de menor movimento para avaliar e passar para os leitores as impressões sobre o comportamento dos veículos.

O primeiro carro recebido de uma montadora para avaliação foi um Opala 4 cilindros. Como o prazo de utilização era limitado, precisei me empenhar para atender os procedimentos da empresa.

Decidi realizar uma viagem ao litoral santista, utilizando o Caminho do Mar, nome que identificava a primeira estrada de ligação da capital paulista com as praias. Confesso que me entusiasmei com o automóvel e desci a velha estrada num ritmo forte, para experimentar suas reações.

De repente, o entusiasmo pela grata experiência transformou-se em preocupação porque em uma curva mais acentuava usei o pedal de freio que simplesmente não funcionou. Por sorte, lembrei de recorrer ao câmbio para reduzir a velocidade, o que me permitiu chegar ao final da serra sem qualquer acidente.

Ao devolver o automóvel ao gerente de Relações Públicas da empresa, além dos agradecimentos expliquei o episódio com os freios. Calmamente, o gerente me perguntou se eu havia exagerado no uso do sistema e expliquei que, realmente, procurei sentir os limites do novo carro.

Com muita educação, o gerente me recomendou usar o carro com maior cuidado para evitar qualquer acidente, porque o freio aquecia e perdia a eficiência de frenagem.

O segundo carro que utilizei foi o Aero Willys, um modelo considerado de luxo, o qual segui orientação de um amigo para usar uma estrada em Lorena, que liga São Paulo a Minas Gerais.

Já durante a Via Dutra percebi uma característica irregular nas respostas de frenagem, com forte desvio de trajetória do carro para o lado direito quando acionava o pedal. Achei interessante a característica, que virou motivo de diversão, e passei a brincar com o carro durante a viagem. Bastava um toque no pedal de freio para que se deslocasse à direita da pista.

A terceira oportunidade foi outro Opala, só que com motor de 6 cilindros e muito agradável em seu comportamento geral. Mas, em curvas, notei que a suspensão traseira flutuava sem aderência das rodas sobre pisos irregulares.

Novamente, uma resposta inusitada do gerente da empresa ao ouvir meu comentário. Com a maior naturalidade, ele me recomendou, para veículos com esse comportamento, colocar no porta-malas um saco de areia com aproximadamente 60 quilos, para garantir a desejada estabilidade.

O quarto episódio foi a oportunidade de avaliar um modelo esportivo, o Uirapuru, fabricado pela Sociedade Técnica de Veículos (STV), de São Paulo (SP). Por ser um carro equipado com motor forte, de 6 cilindros, o diretor da empresa designou um engenheiro como piloto de testes para as medições de maior risco, como as de velocidade máxima e de sistema de freios, pois o modelo atingia os 200 quilômetros por hora.

A avaliação foi tranquila nas medições de freadas em velocidades entre 40 e 60 quilômetros por hora. À velocidade de 80 km/h, notei uma mudança de atitude do automóvel, em tender fortemente para o lado direito. Transmiti minha preocupação ao piloto, que informou que estava tranquilo e que a reação do carro estava dentro das previsões.

Ao saber da tranquilidade do engenheiro me despreocupei e foquei na sinalização do momento de freada.

Ao frear a 100 km/h, para medir a distância percorrida pelo automóvel, surpreendi-me com a forte rodopiada do carro sobre si, como a rotação de uma hélice de helicóptero, e o seu voo para fora da pista, caindo sobre as quatro rodas em terreno plano.

Pálido, o piloto disse que estava tudo bem e que precisaríamos de ajuda para trazer o carro de volta à pista.

Por sorte, o primeiro motorista de caminhão que atendeu à minha sinalização, tinha um cabo de aço e usou seu veículo como um trator para trazer o automóvel de volta à estrada. Foi um silencioso retorno a São Paulo.

Durante o nosso regresso a São Paulo, lembrei de Bertha Benz, mulher de Carl Benz, que produziu o primeiro automóvel do mundo. No dia 8 de agosto e 1888 (há 133 anos), a corajosa mulher decidiu usar o primeiro carro do marido para uma viagem superior a 100 quilômetros, entre Mannheim e Pforzheim, na Alemanha, acompanhada por dois filhos, Richard e Eugene de, respectivamente, 13 e 15 anos. Nessa viagem, Bertha precisou recorrer a um sapateiro para improvisar a produção de sapatas de couro e garantir a frenagem necessária para vencer os primitivos caminhos que percorreu.

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